07
Diciembre
2015
Brasil | Sociedad | AMBIENTE | DH

“A morte do Rio Doce coloca em cheque o modelo que queremos para o nosso país”

Leis de flexibilização geradas por governos imediatistas e negligentes com o ambiente

Em Montevidéu, Luciana Gaffrée
20151207 MayronBorges714

Foto: arquivo pessoal Myron Borges

O Brasil deve praticar um modelo de desenvolvimento onde suas atividades econômicas não destruam nem se sobreponham ao seu meio-ambiente.
Composta principalmente por óxido de ferro e areia, essa lama oriunda do rompimento da barragem da Samarco, tem um alcance muito maior do que o esperado. A Samarco, controlada pela Vale, privatizada no governo FHC, e pela anglo-australiana BHP Billiton, está com o seu licenciamento embargado, até o cumprimento das exigências de segurança. Porém, tudo isso poderia ter sido evitado, se em lugar de flexibilizar, os governos endurecessem os controles ambientais. Isso é o que afirma o nosso entrevistado Mayron Borges, assessor de comunicação do Fórum Carajás.

-Foi ou não foi acidente?
-Não foi acidente, porque pelas informações que temos, e pelo histórico que já conhecemos da mineração em Minas Gerais (MG), há uma série de fatores que levaram a essa tragédia.

Os órgãos públicos não fiscalizaram e a empresa não garantiu a segurança das barragens. Portanto, não houve acidente, mas uma série de omissões e negligências que acarretaram trágico fato.

Além disso, o Ministério Público (MP), que faz parte do Conselho do Meio Ambiente, órgão responsável por liberar as licenças ambientais, apontou várias falhas em 2013 no projeto da barragem.

O conselho não acatou as suas considerações, o MP não queria renovar a licença se as falhas não fossem corrigidas, mas acabou sendo voto vencido.

-...voto vencido?
-Exatamente, o conselho, composto por órgãos públicos e privados considerou que o MP estava sendo muito exigente.

E isso acontece em muitos outros lugares, onde o MP realmente cobra que o licenciamento seja feito de forma adequada, só que os órgãos públicos e privados não aceitam as suas considerações e, às vezes, quando o MP consegue uma liminar na justiça, em primeira instância, o governo estadual recorre e ganha nas instâncias superiores.

Também é importante destacar que o governo anterior de Minas Gerais não fez a fiscalização, e o Departamento de Pesquisa Mineral do governo federal também não fez o seu trabalho, que é o de avaliar a viabilidade dos projetos que envolvem minerais.

-E agora o Rio Doce está morto...
-Sim. Alguns falam sobre uma recuperação do Rio Doce em cinco meses, isso para mim é mais um discurso político para acalmar as pessoas.

A lama é tóxica, por serem rejeitos de mineração da Samarco, isto é, minerais que não são aproveitáveis.

Também é exagerado afirmar que o Rio Doce vai demorar cem anos para se recuperar. Se houver medidas para revitalizar o Rio Doce, isto é, retirar a lama, recuperar as nascentes, reflorestar as matas ciliares, se tudo isso for realmente feito, acredito que levará muitos anos para você poder ver a bacia do Rio Doce revitalizada.

Claro que não da mesma forma como ela existia. Aliás, a bacia do Rio Doce como ela existia, já não existe mais. Vai se tornar outra coisa, dependendo dos esforços municipais, estaduais e federais. Obviamente, da empresa também, que é a maior culpada.

-Como a bacia do Rio Doce está agora?
-A Bacia do Rio Doce perdeu em biodiversidade, em volume de água, e para se recuperar pelo menos uma parte disso tudo, o esforço será enorme. É uma perda enorme ambiental e social.

Um rio morto
Leva seus pescadores a morrerem com ele

-Havia várias comunidades que viviam e se nutriam da bacia do Rio Doce, com a perda da água e da biodiversidade, como é que essas famílias vão sobreviver?
-Quando a bacia for recuperada, essas pessoas provavelmente já terão deixado de ser pescadores, agricultores, extrativistas, e já terão perdido o vínculo cultural e econômico com a bacia do Rio Doce.

Isto mostra que a perda é considerável e atinge todos os aspectos.

-Pode me explicar como se dará essa perda de biodiversidade?
-Por exemplo, haverá uma perda considerável na população dos animais que viviam nessa região, principalmente peixes, anfíbios e répteis.

A lama tóxica já chegou ao litoral numa reserva ambiental de tartarugas gigantes, gerando um impacto tremendo por conta da desova dessas tartarugas. Como será para elas colocarem seus ovos nessa área?

-Como o Brasil está encarando essa tragédia ambiental e humana?
-O que acontece é que não há uma estrutura pensada para esses acontecimentos. Nunca houve um evento dessas proporções, e o governo não está acostumado a agir nesses casos.

-E se não estão acostumados a agir nesses casos, por que estão tendendo a uma flexibilização dos licenciamentos para a mineração e colocando o país em risco de novos desastres ambientais?
-Veja você que o prefeito de Mariana afirmou que o município não vive sem a mineração. Os governos veem nas empresas uma fonte de arrecadação importante.

É daí que vem toda essa flexibilização, porque eles querem arrecadar dinheiro e porque com isso ganham mais votos.

-O Brasil pode tirar alguma lição dessa tragédia ambiental e social?
-A meu ver, essa tragédia coloca em cheque o modelo que queremos para o nosso país.

Desenvolvimento não é chegar a uma terra e retirar dela as suas riquezas, torcendo para que não aconteça nenhum desastre. Precisamos urgentemente rever esse modelo.

O Brasil deve praticar um modelo de desenvolvimento onde as suas atividades econômicas não destruam nem se sobreponham ao seu meio-ambiente.

Porque sem um ambiente saudável não haverá atividade econômica. Impedir catástrofes é também proteger o desenvolvimento econômico. Está tudo interligado.