21
Março
2017
Brasil | Sociedad | ANÁLISIS

Um barco sem timoneiro e sem marinheiros

Raúl Zibechi
20170321 Brasil deriva 714

Foto: Gerardo Iglesias 

Dias densos, sobrecarregados em um Brasil à deriva. Dias de reforma trabalhista e da Previdência, ambas retrógradas, que se juntam à Lava Jato, envolvendo líderes do governo e da oposição, cinco ministros, dez governadores, presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e uma porção ainda não estabelecida de representantes eleitos.
O que acaba desarmando a operação Lava-Jato é a arquitetura de uma governabilidade realista, tanto entre os políticos que ocupam atualmente o Palácio do Planalto, como entre os que pretendem ocupá-lo no futuro imediato.

A reforma da previdência implica a perda de direitos e principalmente maiores dificuldades para se aposentar mantendo os mesmos benefícios. Penaliza todos os trabalhadores, tanto do setor público como do privado, principalmente as mulheres

Eleva para 65 anos a idade para a aposentadoria em todos os casos, e amplia progressivamente até 70 anos as condições para receber a Base da Prestação Continuada (que as pessoas incapazes ou com renda mínima recebem). Uma das piores mudanças é a desvinculação das pensões em relação ao salário mínimo.

Os anos de contribuição para poder se aposentar passam de 15 para 25, mas serão necessários 49 anos de contribuição para receberem uma pensão completa. 

A reforma afeta os mais fracos, principalmente os precários em um país onde mais de 40 por cento dos trabalhadores não possuem cobertura da previdência.

A previsão é de que quase a metade das mulheres e 30 por cento dos homens não terão alcançado os 25 anos de contribuição quando chegarem aos 65 anos.

O governo argumenta que a reforma é urgente por três motivos: a “bomba demográfica”, a queda da arrecadação fiscal por motivo da crise e o déficit do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

A evolução demográfica indica que a população maior de 60 anos passará de 10 por cento em 2013 para 33 por cento em 2060, quando haverá uma maior longevidade e, paralelamente, uma queda da natalidade, reduzindo ano a ano a população ativa jovem.

Nada que não aconteça no restante do mundo. Paralelamente, é preciso considerar que todos os sistemas de aposentadoria são deficitários, o que serve como argumento para cortar direitos.

Segundo a análise da economista Adriana Marcolino, da CUT, a previdência social não está falida e é o setor financeiro que pressiona para cortar direitos trabalhistas.

Por dois motivos: porque com isso o número de pessoas migrando para o sistema particular de previdência aumentará e porque liberará os gastos do orçamento para pagar os juros da dívida interna, presente na banca de um de seus principais credores.

Outros setores do empresariado apoiam a reforma porque serão reduzidas as alíquotas pagas pelas empresas para financiar as aposentadorias de seus empregados.

A reforma trabalhista eleva a jornada de trabalho de 44 horas semanais, tope máximo permitido pela Constituição, para 220 horas mensais. Se dividirmos 220 por 44, estamos dizendo que o mês tem cinco semanas ou 35 dias

Paralelamente, o modelo de terceirização é universalizado, de modo que em uma cadeia de montagem da indústria automotiva todos os trabalhadores poderão pertencer a terceiras empresas, dificultando ainda mais a sindicalização.

Por outro lado, diminui o papel da Justiça do Trabalho na proteção dos direitos trabalhistas e flexibiliza o pagamento das horas extras.

Tira daqui, bota lá
Trabalhar mais, receber menos
Tem mais. A realidade é que a jornada de trabalho poderá chegar a 12 horas, o contrato temporário poderá ser de mais de 90 dias e a contribuição dos filiados aos sindicatos entrará também na negociação, o que tende a enfraquecê-los. Em suma, o que prima no mundo todo atualmente é uma ofensiva contra os trabalhadores e os sindicatos.

Por isso, na quarta-feira, 15 de março, as centrais que se opõem às reformas do trabalho e da Previdência (há algumas que apoiam) convocaram para uma jornada de greve geral, que se percebeu principalmente no transporte.

Estas reformas aumentarão a desigualdade em um dos países mais desiguais do mundo.

A cidade de São Paulo é um bom exemplo. Um estudo sobre a esperança de vida nos diferentes bairros, baseado no Mapa da Desigualdade do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revela dados escandalosos. 

Nos bairros mais ricos, como Alto de Pinheiros e Jardim Paulista, a esperança de vida supera os 79 anos. Mas, no bairro Cidade Tiradentes cai para 53 anos, e em outros bairros periféricos não chega aos 54 anos.

Mais de 25 anos separam a esperança de vida de uns e de outros. Dizendo de outra maneira: os ricos vivem quase 50 por cento mais que os mais pobres. Soma-se a isto a falta de água de qualidade e a péssima qualidade dos sistemas de saúde e de ensino nos bairros carentes.

Tanta violência e regressão
E, no entanto, ninguém se move
Caem em cima desta tremenda desigualdade estas reformas que destruirão os avanços da última década.

Diante desta grave situação, surge um monte de perguntas, mas uma delas impera: por que isto não gerou uma revolta social ou manifestações de pessoas indo às ruas como aconteceu em junho de 2013?

As greves e manifestações de 15 de março foram importantes, massivas em algumas cidades e setores, mostrando uma ampla insatisfação com um governo com níveis de aprovação não maiores que os 10 por cento, similares aos da Dilma Rousseff quando colocavam mais fogo nas mobilizações para destituí-la.

Entretanto, tudo indica que estas manifestações atuais não bastarão para frear a ofensiva conservadora.

Menos ainda para destituir um governo fraco, que deve cair porque além de ilegítimo e de aplicar políticas antipopulares está atolado na corrupção.

O que eu quero dizer é que os governos não caem por causa das manifestações, por mais massivas que sejam. 

Principalmente, os governos da direita que se apoiam nos grupos empresariais poderosos,  na grande mídia, no sistema financeiro e nas forças armadas.

O ciclo de lutas que deslegitimou o neoliberalismo levou para as ruas a classe média, os trabalhadores formais e informais, os profissionais, os negros, os índios e os oprimidos. Foi, em suma, a confluência dos explorados e dos oprimidos, com forte protagonismo das mulheres.

No caso do Brasil, a impressão é que, enquanto as parcelas mais pobres do mundo do trabalho não forem às ruas, ou seja, os e as faveladas, para darmos um exemplo, será muito difícil reverter essa onda conservadora. 

Mas, a irrupção desse “mais embaixo”, ainda que desejável, não parece iminente.

Tradução: Luciana Gaffrée