19
Setembro
2017

Aquecimento global e sindicatos

A luta ambiental e a luta de classes

En Montevideo, Enildo Iglesias
20170919 enildo1375

Ilustração: Boligan | Carton Club

Um recente relatório responsabiliza as empresas de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural e gás liquefeito de petróleo) pela mudança climática. E garante que desde 1988, apenas cem empresas produzem mais de 70% das emissões de gases de efeito estuda do mundo.
São milhões e milhões de empresas existentes, mas no mundo inteiro só cem empresas produzem mais de 70% das emissões Gases de Efeito Estufa (GEE), desde 1988.

A informação surge de um estudo de The Carbon Majors, uma organização sem fins lucrativos. As cifras são mais alarmantes se forem consideradas por países, como por exemplo, a Espanha. Só neste país, 70% de todo o CO2 gerado de forma direta pelas instalações industriais vêm de apenas 10 empresas.

A lógica indica que, por seu reduzido número, deveria ser muito fácil fiscalizar tais empresas, o que evidencia a existência de uma política tendente a privilegiá-las e a protegê-las. É inconcebível permitir passivamente que em nome do afã de lucro destas empresas, estejamos caminhando, inexoravelmente, para a extinção da vida no planeta.

As coisas por seu nome

As petroleiras ExxonMobil(1), Shell, BP e Chevron estão entre as empresas com mais emissão de Gases de Efeito Estufa. Para o relatório, se os combustíveis fósseis continuarem sendo extraídos no ritmo atual, durante os próximos anos, as temperaturas médias subirão aproximadamente quatro graus centígrados, até o final do século.

Os Gases de Efeito Estufa são compostos gasosos capazes de absorver radiação na frequência do infravermelho, aprisionando calor na atmosfera. Este fenômeno está se acentuando pela emissão de certos gases, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano, devido à “atividade econômica humana”. Estes gases evitam que a energia do sol, recebida pela terra, retorne imediatamente ao espaço, produzindo um efeito similar ao que acontece nas estufas.

Colocamos entre aspas a expressão “atividade econômica humana” porque é assim como a grande mídia informa. Entretanto, esta denominação é falaz e tendenciosa, já que a atividade econômica humana como tal não existe. 

O que existe é uma humanidade dividida em classes e uma delas é a que detém o capital, convertendo-se na maior responsável pelo aumento da emissão de gases de efeito estufa, com suas consequências negativas para a biodiversidade(2), como por exemplo as mudanças climáticas. Portanto, o efeito estufa e a crise ambiental são, principalmente, produto do sistema capitalista.

Quando acordos nacionais ou internacionais pressionam para modificar os esquemas atuais de produção e de tecnologia, provocam uma alteração no lucro(3) das empresas.  Quando isso acontece, os grandes capitalistas protestam e pressionam os governantes, que rapidamente fazem de tudo para obedecê-los.

Assim aconteceu com a Rio-92 (1992) e com o Protocolo de Kioto (2002) rejeitados pelos Estados Unidos, com o argumento do então presidente Bush de que “com relação à biodiversidade, o importante é proteger os nossos direitos, os nossos direitos econômicos”

Donald Trump acaba de retirar o seu país do Acordo de Paris sobre a mudança climática. Seus argumentos foram: “Não vamos perder empregos. Pelas pessoas de meu país, saímos do Acordo. Estou disposto a renegociar outro acordo que seja favorável para os Estados Unidos, que seja justo para os seus trabalhadores, contribuintes e empresas”. Qual destes três setores o leitor pensa que Trump priorizará ou beneficiará?

Diante da mudança climática, em lugar de adotar as medidas políticas que a situação impõe, o foco de Trump está nas cotações da Bolsa, nos Créditos de carbono ou Redução Certificada de Emissões (RCE) e nas apólices de seguro, para quem não puder adquirir estes tais créditos quando fizerem falta.

Desde 1992, grandes somas de dinheiro das Nações Unidas são usadas para enfrentar a mudança climática. Fundos que são administrados pelo Banco Mundial, apesar das conhecidas críticas por impulsionarem projetos contaminantes ou porque estes fundos terminam beneficiando as grandes transnacionais.

Primeira conclusão

No livro citado anteriormente e escrito há quase duas décadas, Guillermo Foladori afirma: “Não discutir a forma social de produção num momento em que a crise ambiental ganha escala mundial e gera impactos de longo alcance no tempo, não só para a biosfera como para a espécie humana, é uma atitude totalmente classista, porque implica – ainda que seja por omissão – supor que a forma capitalista é a única possível, indo de encontro ao que ensina a história da humanidade. Ao agir assim, defende-se uma determinada maneira de distribuição dos meios de produção, geradora de um acesso diferencial à natureza”.

Asseverando mais adiante que, “Como resultado, busca-se corrigir os efeitos da produção capitalista pela via técnica, isto é, colocando filtros aqui e acolá, estabelecendo cotas ou impostos em outros casos, etc. Sem precisar discutir aqui a eficiência de tais medidas técnicas, é evidente que nenhuma delas afeta a forma social capitalista de produção”.

Enquanto não aceitarmos que a forma capitalista de produção é a principal responsável, entre outros males, pela mudança climática, estaremos atacando os efeitos e não a causa. O fato é que a situação já chegou a tal estado de gravidade que já se fala em termos de conflito capital-vida(4).

Segunda conclusão

Alguns ambientalistas pretendem enfrentar a mudança climática combatendo a produção ilimitada e o consumismo, esquecendo-se de que a tendência da produção ilimitada não é uma consequência natural da espécie humana, mas uma característica típica e própria da produção capitalista.

Esta produção ilimitada é o resultado direto desta organização econômica focada em gerar lucro e não em satisfazer as necessidades reais do planeta.

Em consequência, é inútil criticar a produção ilimitada e o consumismo, se a organização capitalista da sociedade humana não for também criticada.

Terceira conclusão

A forma de produção capitalista é, como se sabe, a origem do desemprego, do trabalho precário e do fenômeno migratório. Sendo este último agravado pelas milhões de pessoas que, afetadas pela mudança climática, precisaram abandonar seu lugar de origem. São os que conhecemos como “refugiados climáticos ou ambientais”(5).

No final de 2014, havia no mundo 12 milhões de refugiados políticos, entretanto, neste mesmo ano, somavam-se 25 milhões os refugiados climáticos.

Segundo os cálculos da ACNUR (agência da ONU para os refugiados), se a mudança climática não for freada a tempo, nos próximos 50 anos, de 250 milhões a 1 bilhão de pessoas se verão obrigadas a abandonar seus lares e a buscar outro lugar para morar, em outra região, dentro ou fora de seu país.

Ninguém fala disso

Além disso, são notórios a desinformação e o ocultamento das consequências globais geradas pelas mudanças climáticas. Nas últimas semanas, todos vimos nos telejornais e na mídia em geral notícias sobre o furacão Harvey(6com suas inundações sem precedentes em Houston. Existe a notícia, mas não a análise.

Nada se diz também sobre o fato de fenômenos similares ao Harvey acontecerem em outras partes do mundo. Alguns exemplos: pelo menos seis pessoas morreram vítimas da tempestade tropical Lídia no balneário turístico de Los Cabos (México), deixando 4.200 pessoas desabrigadas. As inundações na Índia, Bangladesh e Nepal deixaram 1.200 mortos e milhões de desabrigados, informações estas ignoradas pela grande mídia de nosso continente. Parece até que pretendem nos convencer de que se não aparece na televisão é porque não existe.

O que está previsto

Na revista Nature, um grupo de cientistas prevê que se dentro de três anos as emissões de gases de efeito estufa não forem estabilizadas, o planeta passará a ter outro tipo de clima, com consequências catastróficas: aumento do número de mortes causadas pelo calor, incêndios, crescimento do número de refugiados climáticos, além de uma queda nas colheitas agrícolas.

De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sua sigla em inglês) e da Loyola Marymount University, o calor pode tornar o Sudeste asiático uma região inabitável antes de 2100.

Um estudo realizado por pesquisadores norte-americanos e mexicanos mostra que o número de espécies de vertebrados vem diminuindo a um ritmo só comparável ao desaparecimento dos dinossauros há mais de 60 milhões de anos. Falam que a “sexta extinção em massa” já começou e analisam as “consequências catastróficas” dessa “defaunação” para os ecossistemas, a economia e a sociedade em geral.

De acordo com um artigo da Science Advances, as calotas polares na Groelândia – região onde o aquecimento ocorre duas vezes mais rápido do que no restante do mundo – derretem a um ritmo alarmante e crescente. O artigo alerta que se o gelo desaparecer completamente, o nível do oceano subirá sete metros.

Confirmando esta tese, recentemente um navio transportador de GNL fez a passagem da Europa para a Ásia através do Ártico sem o acompanhamento de quebra-gelos, permitindo realizar o sonho de unir o Atlântico com o Pacífico por meio do Estreito de Bering.

O que os sindicatos têm que ver com a mudança climática?

Em primeiro lugar, devemos definir claramente que uma coisa é sair da crise e voltar a recuperar certo nível de atividade econômica, e outra é sair do sistema. Enquanto estivermos no capitalismo, estas crises existirão sempre. Podemos sair da crise atual, mas novas crises virão.

Sistemas como o feudalismo e o escravismo entraram em crise e só então foram substituídos por outros. O capitalismo, sistema hegemônico no mundo, há décadas vive mergulhado em uma profunda crise, da qual a mudança climática é apenas uma amostragem.

Apesar de ser uma crise que está levando a espécie humana para a borda do precipício, a humanidade encandilada pelo consumismo, se resigna a sofrer as graves consequências, renunciando a qualquer tentativa de substituir o sistema causador de tudo isto.

Partindo da base que sozinho o movimento sindical não tem forças suficientes para derrotar o capitalismo, como pode contribuir então nessa luta? Sem tentar esgotar todas as possibilidades, vejamos algumas.

  • Devemos convencer a todos, incluindo a nós mesmos, que a luta ambiental deve ser considerada uma luta de classes global entre o trabalho e o capital. Estas opções possivelmente nos levem a revisar a nossa clássica estrutura e organização.

  • Construir uma frente única com as demais organizações e movimentos que se ocupam de questões climáticas e ambientais, considerando que muitas vezes são vistas como uma ameaça para o emprego.

  • Diante da crise de representação política vivida por um mundo onde a extrema direita se mostra como uma ameaça real, o movimento sindical deve se fazer ouvir, reivindicando a necessidade de priorizar a vida, as pessoas e a natureza, acima do lucro e dos mercados.

  • Enfrentar a opinião arraigada de nossas próprias bases e da sociedade em geral, onde mudar o atual estado das coisas é impossível, tão impossível que nem sequer podemos imaginar o fim do capitalismo. Portanto, estamos obrigados a imaginar outra forma de organização. O anticapitalismo não pode se limitar a denunciar as injustiças, é preciso elaborar e construir uma alternativa.


1- De acordo com uma recente pesquisa jornalística, a Exxon conhecia há anos as consequências das mudanças climáticas, mas escondeu isto do grande público. Um revelador artigo sobre o assunto pode ser lido no link http://www.lamarea.com/2017/08/28/geoffrey-supran-exxon-reconoce-cambio-climatico-apuesta-modelo-incompatible/
2- Guillermo Foladori, Los límites del desarrollo sostenible. Editora Banda Oriental.
3- ¿Sustentabilidad? Desacuerdos sobre el desarrollo sustentable. Naína Pierri e Guillermo Foladori (Editores).
4- Ver Gonzalo Fernández, LA QUE SE AVECINA: UN CAPITALISMO (AÚN) MÁS SALVAJE, no Dossier nº 26 de Economistas sem Fronteiras http://ecosfron.org/portfolio/dossieres-esf-no-26-repensando-nuestro-modelo-de-sociedad-y-de-economia/
5- O refugiado climático ou ambiental não existe legalmente. Um refugiado é “toda pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo, ou devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outros países”. Como esta definição não incluiu aqueles desabrigados por razões ambientais, as milhões de pessoas que se deslocam por razões climáticas se encontram num vácuo legal, político e social que, até a data, nenhum governo ou organismo internacional sabe – ou quer– enfrentar.
6- Dias mais tarde, Irma, o furacão mais forte já registrado na história do Oceano Atlântico, atingiu Cuba e Flórida (Estados Unidos).