23
Agosto
2016
Brasil | Sindicatos | LGTB

Uma mulher ao quadrado

En Forquilhinha, Gerardo Iglesias
20160823 Gisele714

Gisele Adão | Foto: Gerardo Iglesias

““Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição...”

“... A homossexualidade não é uma doença, a homofobia sim...”
No sábado 27, haverá o primeiro Encontro de Diversidade de Gênero promovido pela Rel-UITA, em parceria com o Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Criciúma e Região (SINTIACR) do estado de Santa Catarina. Trata-se da primeira experiência feita pela UITA na América Latina com o fim de apoiar os movimentos de defesa e de promoção dos direitos da diversidade.
Com estes movimentos, a Rel-UITA não só aprenderá muito, como também poderá contribuir, junto aos sindicatos, para a construção da cidadania do coletivo LGBT (*), gerando também novos olhares promotores da tolerância e do respeito às diferenças.

Com orgulho e firmeza, Gisele Adão, uma das principais promotoras do encontro, falou com A Rel sobre a sua orientação sexual, sua vida, sua rotina no trabalho e no sindicato.

Quando Gisele confessou que era lésbica, sua mãe chorou uma semana. “Ela não parava de chorar até que em um momento me disse: ‘não aceito porque não entendo dessas coisas, mas te respeito e se é isso que você quer para a sua vida e isso é o que faz você feliz, pois bem, seja feliz’.

Depois, a mãe lhe deu um abraço enorme. “E, para mim que também chorava sem parar – conta ela agora com um grande sorriso no rosto, que é a marca de sua identidade – foi um dos momentos mais maravilhosos de minha vida”.

Foi aí então que a Gisele chegou a uma conclusão libertadora: “se minha mãe respeita a minha orientação sexual, o resto do mundo que se exploda”.

O estigma, a discriminação e a violência são as expressões e comportamentos de uma sociedade marcada pelos estereótipos e preconceitos.

Nesse cenário, diz Gisele, ser lésbica, gorda, mulher e negra é o pior que pode acontecer. “Não me faltou nenhum (sorri), tenho todos os atributos para que me olhem de cara feia.

Foi muito difícil para mim, decidir me abrir com a minha mãe, e dizer a ela que eu era lésbica. Depois que contei, mudei minha imagem: raspei a cabeça, coloquei bermudas largas, e isso gerou um efeito à minha volta, porque passei a escutar coisas do tipo “você era tão linda antes e agora está parecendo um homem...”.

Mas, temos que aprender a viver de frente e a combater os preconceitos dos outros.

“Eu soube conquistar o meu espaço no Sindicato e a minha família aceitou isso bastante bem, mas tenho amigas que tiveram que sair de casa, outras que tentaram se matar, porque até você não se aceitar e não aceitarem como você realmente é, até não tomar consciência que você é diferente, acaba caindo em períodos de depressão dos quais nem todas conseguem sair”,

O Sindicato
Uma organização e uma família
“Aconteceu uma coisa muito engraçada faz um tempo. O nosso Sindicato foi convidado para participar de um seminário organizado pela CUT Regional de Criciúma. Para nossa surpresa, a temática era a discriminação homossexual e o coletivo LGBT.

O público não era bem numeroso e, fora nós quatro do SINTIACR, podíamos contar nos dedos os gays e lésbicas presentes”, afirmou voltando a sorrir.

Se a presbiopia do sindicalismo impede “ver o mundo em termos de gênero”, e as mulheres, mesmo sendo maioria em muitos sindicatos, são relegadas a “cargos ornamentais”, o SINTIACR é um caso raro.

“No frigorífico onde eu trabalho, no mínimo 30 por cento das mulheres são lésbicas. Como todo mundo usa o mesmo uniforme para trabalhar, não somos discriminadas”, diz.

O Sindicato “abriu as suas portas, ofereceu oportunidades e aí o nosso coletivo foi conquistando espaços, fazendo um trabalho sério e comprometido. Ser um bom ou um mal sindicalista não tem nada que ver com ser homossexual ou não”.

O Sindicato sabe que será forte se utiliza a fibra da diversidade para tecer as suas bases. Sabe também que sua fortaleza nasce do mais fraco e que a luta por melhores salários não é o único objetivo.

“Nós, juntos com o nosso presidente Célio Elias, que tanto nos apoia, levamos adiante uma política de inclusão com relação à orientação sexual, às diferentes religiões, e tentamos conter e respeitar todos e todas, como companheiros e companheiras da classe trabalhadora”, enfatiza Gisele.

“Fomos uma das primeiras organizações em trabalhar e em se aproximar dos migrantes haitianos e senegaleses contratados pelo frigorífico. Depois, chegaram outros migrantes que estavam na cidade, porque correu a voz de que o Sindicato era um espaço amigo”.

A Gisele pede desculpas, porque está na sua hora de entrar no frigorífico, e não quer chegar tarde. Ela se despede de mim e, cara a cara comigo, afirma num tom grave: “Eu só exijo respeito como ser humano, e aqui no Sindicato encontrei uma nova família onde nunca fui discriminada”.

“Não sou um homem. Sempre fui uma mulher, uma mulher que gosta de outras mulheres. Ou seja, uma mulher ao quadrado...”.

E lá se vai ela rindo à beça. A umidade e o frio do frigorífico já lhe esperam. Mas, ela está bem abrigada por suas convicções, por saber quem é e por ser como quer ser, ainda que o mundo exploda aos seus pés.


* Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais

Tradução: Luciana Gaffrée