Um moedor de carne universal
Trabalhadores norte-americanos perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA
Foto: Lucía Iglesias
No final de março deste ano, funcionários da indústria avícola norte-americana compareceram a uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Sua intenção era dupla: denunciar as “condições inaceitáveis e desumanas” vividas todos os dias ao executarem suas tarefas, e também fazer com que o governo desistisse de seu plano para aumentar, ainda mais, o ritmo de trabalho na indústria e diminuir o número de inspetores encarregados de fiscalizar o funcionamento das empresas por razões de “economia”.
“Os reguladores do governo apoiam as grandes empresas, que priorizam o lucro acima das pessoas”, declarou então Felicia Tripp, da organização de sindicalistas negros Coalition of Black Trade Unionists (Coligação de Sindicalistas Negros).
“Deveria ser implementada uma norma que melhorasse a qualidade de vida, não que consolidasse o que já é desumano”, acrescentou.
ADiante da CIDH, os trabalhadores avícolas relataram as situações “de inferno cotidiano”, conforme disseram. “Todos sofremos doenças que poderiam ser perfeitamente evitáveis se trabalhássemos num ritmo suportável para um ser humano, mas somos exigidos quase como se fossemos robôs”, declarou uma das denunciantes.
Segundo informou a publicação MintPresse News, “os denunciantes assinalaram as altas velocidades de processamento como a causa direta da elevada incidência de lesões nos trabalhadores, particularmente as que são consideradas produto do estresse, como a síndrome do túnel do carpo, uma inflamação dolorosa dos tendões e nervos dos pulsos”.
Estudos oficiais e de grupos de controle, realizados nos dois últimos anos, descobriram que as taxas de síndrome do túnel do carpo nas indústrias avícola e frigorífica dos Estados Unidos oscilam de 40 a mais de 80 por cento.
“Eu embalava presunto oito horas por dia, de 40 a 50 presuntos por minuto. A esteira de processamento se move muito rapidamente e não para”, disse Teresa Martínez, ex-trabalhadora de um frigorífico de Nebraska, ao organismo da OEA.
“Eu fui operada das mãos e duas vezes das costas. Recebi várias horas de tratamento, mas a dor não para. Minhas mãos perderam a força e a firmeza.
“Depois da operação nas costas, eu perdi as forças nas pernas. Imagine o que é estar incapacitado aos 41 anos”, declarou Juan Martínez, que trabalhou em um estabelecimento do mesmo estado durante oito anos.
Denúncias do mesmo tipo vêm se acumulando há anos no país, mas o governo não só não pensa em legislar para reduzir a velocidade do processamento na indústria, como pretende aumentá-la em 25 por cento.
“Vai ser algo atroz”, adverte a Coligação de Sindicalistas Negros.
A pequena taxa de sindicalização nos frigoríficos dos Estados Unidos é um obstáculo para que as coisas melhorem: menos de um em cada três do meio milhão de trabalhadores destas indústrias está sindicalizado.
“Muitos destes trabalhadores são negros e outros imigrantes recentes e sem documentos. Pudemos determinar que um grande número deles desconhece seus direitos e como devem responder a isto”, disse Omaid Zabih, advogado do Centro de Leis em prol do Interesse Público do grupo de controle Appleseed de Nebraska, ao jornal MintPresse News.
“Provavelmente isto exacerba uma quantidade de problemas, como o medo de denunciar lesões ou a sofrer represálias, o assédio sexual e inclusive a ausência de permissão para ir ao banheiro”, comentou.
No Brasil, a situação não é muito diferente. O Brasil Foods (BRF) e a JBS, potências mundiais do setor frigorífico, foram reiteradamente denunciadas por suas práticas de trabalho escravizadoras e degradantes.
A diferença fundamental com os Estados Unidos é que, no país sul-americano, a justiça do trabalho atuou punindo com multas multimilionárias aquelas empresas onde os sindicatos são mais fortes, o que não foi uma simples coincidência.
Uma das resoluções da justiça do trabalho brasileira, adotada em setembro passado, reside precisamente em limitar a quantidade de movimentos que um trabalhador faz por minuto, com o objetivo de estabelecer um ritmo sem riscos para a saúde. O oposto do que acontece nos Estados Unidos.
Trata-se, comentou na época o Ministério Público do Trabalho do Brasil, “de uma das decisões judiciais mais importantes no país em termos trabalhistas, pois abre um importante precedente para a redução do ritmo em todas as atividades onde a organização do trabalho está baseada no modelo fordista”, um modelo que, pelos empresários do setor, teria uma longa vida.
Tradução: Luciana Gaffrée
Publicado por Darío Falero